Momento poético
Fonte: Antiga revista Manchete, edição de 24 de fevereiro de 2000.
A brisa que acariciava a praia, num alegre entardecer de 1955, testemunhou a cena inusitada. Na verdade, o vento suave foi cúmplice do fato, que, mesmo sem versos, já seria uma autêntica poesia, transcrita na alma de um jovem. Na oportunidade, grafei, na forma de um poeminha, a rica emoção de haver sido arrebatado, num relance, pela encantadora visão. Minha doce namorada de adolescência teve a alça do vestido deslocada pelo sopro do mar...
Ah!
Teu colo,
lindo!
No meu deslumbramento
de criança,
assomou
como perene lembrança
para toda a minha vida.
Mesmo quando velho,
não o esquecerei.
Jamais!
Ah!
A maldade?!
Está nos olhos
de quem a vê.
E, logo,
lanço o repto
que antevê
que o mal do mundo
está na alma
do furibundo.
Não no coração
de quem me lê...
Nas dobras da existência,
o canto da Esperança:
é bom viver!...
Amar a beleza,
do Amor,
a fortaleza
de quem ama e crê.
Deus
não fez o mundo
para nos negar a alegria
de adorar a Natureza,
Sua cria.
Só não deseja
que a maculemos.
Pelo contrário,
Que a respeitemos,
porque a Vida...
A Vida!
foi feita para se viver!
Era um tempo diferente...
Era um tempo diferente: para contemplar um simples joelho, tinha-se de vencer uma guerra de Tróia, com Homero; Helena; Páris; Heitor; Menelau; Agamenon; Ulisses; Aquiles, aquele do calcanhar frágil; Cassandra, a vidente desprezada; o inefável “presente de grego”, ou seja, o colossal cavalo de madeira, e tudo o mais...
Depois do momento poético, corri para a varanda da casa dela, peguei de um lápis, umas folhas de papel de pão e, deslumbradíssimo, ousei esses versinhos, que aí estão com alguns pequenos ajustes. A extasiante musa nunca os chegou a ler... A minha timidez era demasiada. Mostrei-os, porém, naquele mesmo dia, ao meu pai, Bruno Simões de Paiva (1911-2000), dedicado mentor de minha juventude. A gente, às vezes, discutia, é verdade. Mas como fomos amigos! Hoje, ele está com 88 anos*¹, bem vividos e sofridos.
Crítico severo dos meus arroubos “literários” juvenis, era romântico de carteirinha também. Foi complacente no seu veredicto... Ainda bem que o meu velho sempre foi meu bom companheiro. Tinha igualmente o coração enamorado. Basta lembrar que se apaixonou por minha mãe aos 9 anos de idade... Ela estava com 7. Uniram-se em 1940, duas décadas depois de se encontrarem em Camaçari pela primeira vez. A família foi contra. Eles eram primos. O padrinho do casamento foi o grande Dorival Caymmi*², conhecido deles desde a infância na Bahia, com suas tradições e costumes praianos, que o privilegiado marido de Dona Stella Maris e ditoso pai de Nana, Dori e Danilo continua cantando tão bem:
O Vento
Vamos chamar o vento
Vamos chamar o vento
Vento que dá na vela
Vela que leva o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe
Peixe que dá dinheiro, Curimã
Curimã ê, Curimã lambaio
Curimã ê, Curimã lambaio
Curimã
Curimã ê, Curimã lambaio
Curimã ê, Curimã lambaio
Curimã
Vamos chamar o vento
Vamos chamar o vento
Vento que dá na vela
Vela que vira o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe
Peixe que dá dinheiro, Curimã
Vamos chamar o vento
Vamos chamar o vento
A nossa existência é para ser respeitada e amada realmente, jamais destruída por excessos esmagadores. Observando o feliz exemplo de meus queridos pais, Bruno e Idalina (1913-1994), relembro, com Lícia, minha irmã, algumas palavras que publiquei em Reflexões e Pensamentos — Dialética da Boa Vontade, lançado em 1987:
“Assim como o sangue, circulando pelo corpo, oxigeniza e alimenta as células humanas, o Amor, percorrendo os mais recônditos pontos de nossa Alma, fertiliza-a e a torna plena de vida. (...) Ao final de tudo, ele — que se expressa das mais surpreendentes formas na grande tarefa de conduzir os homens à sobrevivência — vencerá! Continuamos acreditando na vitória final do Ser Humano e seu Espírito eterno, a Obra Máxima do Criador”.
Ei, Você aí! Pensou que fosse ler uma página pornográfica? Quebrou a cara, hein?!
Gandhi e o bom humor
Não quero perder o ensejo de reiterar uma coisa: amadurecer não significa tornar-se amargo, perder o humor. Dizia Mohandas Karamchandi Gandhi*³ que, se não sustentasse o júbilo no seu Espírito, não poderia suportar as suas lutas e já teria morrido há muito tempo. Guardemos a elucidativa lição do Mahatma.
*¹ Este artigo foi publicado em 2000. Em 24 de junho do mesmo ano, faltando um mês para completar 89 anos, Bruno Simões de Paiva voltou à Pátria Espiritual.
*² Dorival Caymmi — Em 30 de abril de 2000, esse grande cantor, compositor e poeta completou seu nonagésimo aniversário. Dorival, Bahia e Brasil são três palavras que se confundem, se misturam, em sentido, magia e música. O País reverencia um de seus mais conceituados nomes da MPB. Da mesma forma, a Legião da Boa Vontade e seu dirigente, Paiva Netto, dão-lhe os parabéns por data tão especial.
*³Gandhi nasceu em 1869 e foi morto a bala, em janeiro de 1948. Teve como principal discípulo Pandit Jawaharlal Nehru (1889-1964). Nehru, pai de Indira Gandhi (1917-1984), foi o primeiro dirigente da Índia libertada. Indira também governou o país de Krishna, como Primeira-Ministra, até ser assassinada pelos seus guarda-costas.
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