Gandhi: o capital em si não é mau

Fonte: Jornal “A Tribuna Regional”, de Santo Ângelo/RS, edição de 18 e 19 de outubro de 2008, sábado e domingo. | Atualizado em julho de 2021.

Ensinou Jesus, o Cristo Ecumênico, o Divino Estadista: “Bem-aventurados os pacientes porque eles herdarão a Terra” (Sermão da Montanha – Evangelho de segundo Mateus, 5:5). Em outubro de 1991, ao ler e concomitantemente analisar o Manifesto da Boa Vontade, que lancei por ocasião da Pedra Fundamental do Parlamento Mundial da Fraternidade Ecumênica, o ParlaMundi da LBV, em Brasília/DF, declarei que — faltava ao Brasil um poderoso mercado interno e um complexo industrial, tecnologicamente atualizado, que de forma plena satisfizesse a sua demanda nacional sem prejuízo da exportação. Lembro-me ainda das aulas de História no Colégio Pedro II, com o saudoso professor Newton Gonçalves de Barros (1915-1997), que tanto amou o nosso torrão natal. Muitos imaginaram, naquela época romântica, que, no governo Juscelino Kubitschek (1956 a 1961) e nos logo a seguir, o mercado interno brasileiro tomaria poderio semelhante ao dos países mais ricos, a exemplo dos Estados Unidos.

Tela: James Tissot (1836-1902)

Detalhe da obra intitulada: O Sermão das Bem-aventuranças.

 (Hoje vemos isso em pujante desenvolvimento no Brasil. E os graves problemas que estão desestabilizando o mercado internacional são resultantes dos maus gestores, entre outras coisas.)

Arquivo BV

Mahatma Gandhi

Mahatma Gandhi (1869-1948), numa frase lapidar, que publicou em seu jornal Harijan, no dia 28 de julho de 1940, declarou: “O capital em si não é mau; o uso incorreto dele é que é ruim”.

Economia: a mais espiritual das ciências

E para bem entendermos esse conceito do sábio ativista indiano, necessário é que compreendamos, para surpresa de alguns, que a Economia é essencialmente espiritual, posto que, de fato, é no “Outro Lado da Vida” que se encontra a sua verdadeira origem. Essa foi a defesa que fiz na entrevista publicada pela Folha de S.Paulo, no Segundo Caderno, em 7 de novembro de 1982, na seção Exterior, quando tratávamos de nossa presença na ONU:

(...) Economia também tem de ser vista sob o aspecto religioso da solidariedade, que garanta a todos o acesso aos bens de produção: a Economia é a mais espiritual, no sentido mais amplo, das ciências (ou arte). E aqui estou falando de religião, com todas as letras maiúsculas, e não dos casos patológicos catalogados como tal no passar da História. Ela é algo supinamente elevado, que nada tem a ver com os conflitos produzidos pelos homens. Jesus é o maior economista do planeta Terra, visto que possui todos os talentos de Deus para semear entre os seres humanos, em consonância com o merecimento pessoal. É Ele Quem diz — “a cada um de acordo com as suas obras” (Evangelho, conforme Mateus, 16:27). E isso faz parte da Estratégia da Sobrevivência, que há vários anos defendo. (...)

Tela: Bartolomeo Letterini (1669–1745)

Detalhe da obra: Multiplicação de pães e peixes.

Muito além do mercado 

E observem que o Gandhi não pensava e agia apenas à maneira de um religioso, todavia como um bom político.

Com a Economia da Solidariedade Espiritual e Humana, dentro da Estratégia da Sobrevivência, procuro demonstrar que, acima do mercado, existe um requisito anterior a ele próprio, que há de subsistir eternamente. Trata-se do Espírito Eterno do ser humano que, evoluído e valorizado como o Capital de Deus, torna-se o fulcro de equilíbrio da Economia, porque se contrapõe à ganância e à impunidade.

Afrânio Peixoto (1876-1947), médico baiano, deputado federal e escritor que marcou a ficção realista e impressionista do início do século 20, certeiramente expressou: “Através do tempo o lucro impiedoso cresceu e campeou. É ele que faz as calamidades e as guerras, porque a ambição ilícita é que gera a ferocidade da espoliação e da conquista”.

Diante do exposto por esse eminente membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), convém esclarecer que, ao falar no papel ainda não devidamente conhecido do Espírito Imortal na Economia, não proponho uma quimera inatingível. Refiro-me àqueles seres humanos que aplicam a consciência espiritual deles no dia a dia, pois estão plenamente cônscios — em Espírito e Verdade, pelo prisma do Novo Mandamento do Cristo — a respeito de sua verdadeira origem, que é divina, e, portanto, vivem a Cidadania do Espírito.

Com tal sabedoria, não poderão, sem más consequências para si mesmos, alegar-se vítimas de ceticismos nocivos ou fanatismos, visto que o Divino Dono do Capital chamado Espírito virá, por processos que a maioria ainda não deduz, cobrar dos seus reducionistas ou detratores os desvios. Reafirmo: a Economia é a mais espiritual das ciências ou arte, porquanto enfeixa o ordenamento dos bens imprescindíveis à sobrevivência das cidadãs e dos cidadãos e à melhoria da qualidade de vida, espiritual, moral e fisicamente falando. Abordar com apurado senso esse assunto é incumbência natural dos religiosos e mesmo dos descrentes em relação à existência da Divindade, mas que trazem dentro de si o apreço pela nobreza do semelhante. Sem espírito solidário, não haverá civilização sobrevivente.

Os sinais dos maus-tratos sofridos pelo nosso planeta são evidentes e demonstram a falta de caridade de muitos para com a morada que o Ser Onidirigente dos Mundos criou para a nossa evolução. O pastor evangélico Paulo Leivas Macalão (1903-1982) retrata em suas palavras a Bondade Sublime do Supremo Governante dos Universos e o descaso dos habitantes da Terra:

“Recebemos há dias um grande e belo mamão, que nos foi oferecido como primícias. Quando o fruto foi partido ao meio, fiquei maravilhado com a quantidade de sementes que possuía.

“Ao verificar o interior do mamão cheio de sementes, Deus me revelou duas grandes verdades: a abundância existente e o convite de Deus à fartura, e o nosso descuido, no comer os frutos: jogar fora as sementes”.

Allan Kardec, conhecido como “o Codificador do Espiritismo”, registra em O Livro dos Espíritos, pergunta 685, lição que vem ao encontro do que estamos expondo: “A ciência econômica procura remédio para isso [o mercado de trabalho] no equilíbrio entre a produção e o consumo. Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. (O destaque é meu.)

Urge um grande serviço ecumênico de reeducação, de modo que todas as barreiras de ódio sejam derrubadas. Há certos ensinamentos que devem ser reiterados, por exemplo: o problema não é bem de leis, mas de homens, porquanto, como já escrevi, não há regime bom enquanto o homem for mau (desculpem o cacófato). A presente globalização requer, para que resulte em maior estabilidade para o orbe que habitamos, a pacificação dos corações. Batalha mais árdua, bem mais desafiadora — quando a insensatez resiste ao progresso do Espírito que anima o ser humano — do que as guerras que têm ensanguentado as páginas da História. Diante das dificuldades, jamais se esqueçam: quando a Boa Vontade dos seres humanos se une à Boa Vontade de Deus, não há obstáculos intransponíveis. Dure o tempo que for preciso para se concretizar a imprescindível Cultura de Paz, porquanto tudo é possível àquele que crê” (Evangelho, segundo Marcos, 9:23), como preconizou o Administrador Celeste, que sempre soube o que pregava.

Respeitado o livre-arbítrio de todos, é imperativo que haja união, enquanto é tempo, para o que se tornam absolutamente necessárias paciência e audácia, fatores preponderantes para o advento da nova Economia, alicerçada nas Leis Econômicas de Jesus.

Era superglobalizante e perigo

Apocalipse sem medo (2000) – 18ª edição

Em Apocalipse sem Medo (1999), no capítulo “Extratos de O Capital de Deus”, considerei que sempre existirá a necessidade de trabalho, como haverão de entender os corifeus desta era superglobalizante.

Quando proferi essa afirmativa, na década de 1990, e também agora, algumas vozes temiam, por determinados motivos, o decréscimo avassalante do emprego, como diversos consideraram desde a época da primeira revolução industrial, no século 18. No entanto, nesses tempos de profundas transformações que tiveram origem na Inglaterra e que de lá se espalharam para o mundo, se alguns tipos de serviço se desfizeram, muitos surgiram. E com eles extraordinárias conquistas para os trabalhadores.

Contudo, é indispensável que subsistam preocupações ESPÍRITO-sociais efetivas para com as massas indigentes dos países pouco desenvolvidos e/ou em guerra (sem esquecer que até os emergentes e os desenvolvidos possuem multidões em estado de penúria. Basta visitar as periferias das metrópoles). E que se tomem as medidas cabíveis. A qualquer momento, a mundialização trará consequências de lado a lado. Não há mais departamentos estanques na sociedade. A poluição que o diga. Um dia, a casa pode cair. Mesmo!

Arquivo BV

Benjamin Franklin

Benjamin Franklin (1706-1790), um dos líderes da Revolução Americana de 1776, apropriadamente apontou que “só sabemos o valor da água quando o poço seca”.

Touché!

Sem limitações

Não há limites para a solidária expansão do Capital de Deus: o Espírito Eterno do ser humano.

No porvir, essa Divina Verdade se tornará uma certeza irrefragável para a consciência humana: finalmente compreender que o Espírito Imortal esclarecido é o moto-perpétuo de todo o desenvolvimento sem poluições e também o inderrotável advogado de defesa da paz desarmada. A Alma integrada no Criador promove o progresso sem destruição, algo que prego há décadas*2.

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Notas dos editores

*1 Esse pensamento se encontra no artigo de Paiva Netto intitulado “Leis e homens”, publicado em diversos veículos de comunicação, a exemplo da Folha de S.Paulo, em 8 de novembro de 1987.

*2 Leia o subtítulo “Progresso sem destruição”, em As Profecias sem Mistério (1998), de autoria do escritor Paiva Netto.

José de Paiva Netto, escritor, jornalista, radialista, compositor e poeta. É presidente da Legião da Boa Vontade (LBV). Membro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABI-Inter), é filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), à International Federation of Journalists (IFJ), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e à União Brasileira de Compositores (UBC). Integra também a Academia de Letras do Brasil Central. É autor de referência internacional na defesa dos direitos humanos e na conceituação da causa da Cidadania e da Espiritualidade Ecumênicas, que, segundo ele, constituem “o berço dos mais generosos valores que nascem da Alma, a morada das emoções e do raciocínio iluminado pela intuição, a ambiência que abrange tudo o que transcende ao campo comum da matéria e provém da sensibilidade humana sublimada, a exemplo da Verdade, da Justiça, da Misericórdia, da Ética, da Honestidade, da Generosidade, do Amor Fraterno. Em suma, a constante matemática que harmoniza a equação da existência espiritual, moral, mental e humana. Ora, sem esse saber de que existimos em dois planos, portanto não unicamente no físico, fica difícil alcançarmos a Sociedade realmente Solidária Altruística Ecumênica, porque continuaremos a ignorar que o conhecimento da Espiritualidade Superior eleva o caráter das criaturas e, por conseguinte, o direciona à construção da Cidadania Planetária”.