Brecht, Heróis e Heróis (Final)
O tema desta nossa palestra é a interpretação parcial que alguns fazem da frase proferida, certa feita, pelo inconfundível homem de teatro Bertolt Brecht (1898-1956): “Infeliz do Povo e do tempo que necessitam de heróis”.
Na verdade, meu caro Brecht, infelizes das nações e dos tempos que não têm, nem mesmo, os seus heróis... Gandhi costumava afirmar ser uma temeridade tirar-se o que quer que seja do Povo sem lhe oferecer algo em substituição.
E nós concluímos que esse algo deva ser — de preferência — melhor, bem melhor! Fala-se mal do Povo, mas o que se lhe tem oferecido? Seus mentores muita vez lhe são piores... Basta ver a que ponto o deixaram chegar, em engano, desamparo e desilusão... As massas sem lideranças vivem ansiosas e inseguras.
Todas, declaradamente ou não, esperam os heróis da dignidade, da decência, da competência honesta — de que está repleto o próprio Povo, mesmo sem que o saiba. Se o Povo não tiver heróis razoáveis, se até isso lhe for tirado, fatalmente irá à cata de deuses descartáveis. E nisto consiste a terrível cilada, pois, no mundo, se deuses existem, seus pés são de barro... tal como no sonho de Nabucodonosor. E de deuses se esperam milagres, que nunca vêm; mas, dos heróis aguardam-se bons exemplos de que todos necessitam para seguir avante. Certamente o velho Bertolt, na sua lamentação, referia-se àqueles, tais como Hitler, pois sabia muito bem que qualquer Povo carece de quem sustente uma forte luz a clarear o caminho cheio de percalços, sob pena de quebrar o esqueleto moral e, conseqüentemente, social.
O autor de “A exceção e a regra” naturalmente possuía conhecimento disso. Basta ver que, na queda de antigos conceitos, pretendia levantar outros, cuja luminosidade considerava superior ao que existia no campo, por exemplo, do teatro, sua principal área de ação, às vezes desesperada: “O Homem não pode agir sem ser injusto, mas não pode renunciar à ação sem ser inútil”. Ocorre que ele também afirmou: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano, e são melhores. Há os que lutam muitos anos, e são muito bons. Mas somente aqueles que lutam toda a sua vida, esses são imprescindíveis”. Eis então surgir o herói na definição do próprio escritor germânico.
Ah! Se Brecht conhecesse o Evangelho-Apocalipse de Jesus! Evidentemente que sem teias de aranha, como preconizava Zarur, pois em Espírito e Verdade à luz do Novo Mandamento do Cristo, que é a Lei da Solidariedade sem fronteiras: — Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Somente assim podereis ser reconhecidos como meus discípulos (...) Ninguém tem maior Amor do que este: dar a própria Vida pelos seus amigos (Evangelho do Cristo, segundo João, 13: 34 e 35 e 15: 12 e 13). Haveria compreendido que toda ativa rebeldia, nascida como reação ao cinismo que se encontra espalhado pelo mundo, deve avançar além da iconoclastia, para ser capaz de erguer, da desordem, as bases de uma Humanidade realmente melhor. Não basta destruir o que está errado; acima de tudo necessário, e mais difícil, é construir. Só o Amor realiza em profundidade. Sua ação é paciente, conquanto enérgica, mas definitiva. A luz, então acesa, passaria a clarear a estrada dos homens, livrando os povos de tropeçar na escuridão alimentada pelos confusionistas de todos os matizes.
Não estará isso acontecendo ao Brasil? ... que, por sinal, acabou arranjando um “herói” sem caráter, que tem, a torto e a direito, “felizes” e vorazes imitadores; Macunaíma, que, como louco, vai destruindo, sem antes nem mesmo construir. Vê-se, pois, que, na praça, Barrabás ainda hoje continua sendo o escolhido. Quousque tandem, Catilina?
Realmente, ai do Povo e do tempo que necessitam de ... falsos heróis!...
Nota dos editores: Matéria publicada no jornal Diário Popular, de São Paulo/SP, em 30 de abril de 1998.
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