Raízes e memórias
Fonte: Jornal A Tribuna Regional, de Santo Ângelo/RS, de 19 e 20 de janeiro de 2008, sábado e domingo.
Muito me distingue o convite do dr. Valdir Andres, diretor-presidente deste conceituado periódico – digno representante dos povos das Missões, desde a sua fundação, em 1967 – para que me torne colunista de A Tribuna.
Por sinal, o dr. Andres já me proporcionara grande honra em 20 de junho de 2006, durante as comemorações antecipadas dos meus 50 anos de trabalho na Legião da Boa Vontade, no tradicional Theatro São Pedro, em Porto Alegre, que se completaram em 29 do mesmo mês, dia também de São Pedro, patrono do Rio Grande do Sul. Recebi, das mãos dele, a Comenda da Cruz Missioneira, símbolo máximo da cultura e da espiritualidade da região. Ofertada às pessoas as quais se quer bem, traz como significado maior a proteção e a fé redobrada. É o que precisamos possuir sempre.
Naquela ocasião, salientei que ninguém faz nada sozinho. Na compreensão disso, encontra-se o segredo do bom êxito. Não acredito nessa história do sucesso de um, é de todos. “A pátria não é ninguém; são todos (...)”, ressaltava Rui Barbosa (1849-1923). Daí a importância da educação. Uma das razões básicas da existência da LBV é o seu zelo com o educar, o instruir e o espiritualizar, mostrando que a vida não termina no túmulo, uma destinação deveras triste. Um país cujo povo não é educado é fraco. E um país fraco é facilmente dominado. Quanto mais ignorante o povo, maior o cativeiro para ele. Como argumentei tantas vezes, a princesa Isabel assinou a polêmica Lei Áurea, contudo o espírito de senzala ainda prejudica a nossa gente, fazendo-a, por exemplo, refém da violência, que campeia, ela sim, livre por qualquer parte. Temos de crescer na instrução, na educação e na espiritualidade. Valorizar-nos significa manter, no cume, a autoestima popular.
Terra hospitaleira
Diante de tão expressivos gestos de apreço à minha humilde pessoa, lembro-me, neste momento, das raízes que me ligam ao Rio Grande, a começar de meu saudoso pai, Bruno Simões de Paiva (1911-2000), que passou neste glorioso Estado certo período de sua vida e me fez amar, desde criança, esta terra hospitaleira. E naquela época, eu já tomava chimarrão com carqueja ou losna, sim, senhores! Quando seu Bruno, beirando os 90 anos, veio a falecer, o meu secretário, jornalista Francisco Periotto, encontrou a minha pequena cuia que o meu velho carinhosamente guardava. E a maior consideração pelo Rio Grande está no meu filho mais novo, de 4 anos de idade: é gaúcho, tchê!
Religião não rima com intolerância
Aproveitando o ensejo: nesta segunda-feira, 21 de janeiro, celebra-se o Dia Mundial da Religião. Na “Folha de S.Paulo”, década de 1980, argüido por um leitor, ponderei que não vejo religião como ringues de luta livre, nos quais as muitas crenças se violentam no ataque ou na defesa de princípios, ou de Deus, que é amor e que, por isso, não pode aprovar manifestações de ódio em Seu Santo Nome nem precisa da defesa raivosa de quem quer que seja. Alziro Zarur (1914-1979) dizia que “o maior criminoso do mundo é aquele que prega o ódio em nome de Deus”.
Compreendo religião como solidariedade, respeito à vida, iluminação do espírito, que todos somos. Só posso entendê-la como algo dinâmico, vivo, pragmático, altruisticamente realizador, que abre caminhos de luz nas almas e que, por essa razão, deve estar na vanguarda ética. Não a entenderia, se não atuasse também de modo sensato na transformação das realidades tristes que ainda atormentam os povos. Esses, cada vez mais, andam necessitados de Deus, que é antídoto para os males morais e espirituais, por conseqüência os sociais, incluídos o imobilismo, o sectarismo e a intolerância degeneradores, que obscurecem o espírito das multidões. (...) E, de maneira alguma, deve-se excluir os ateus de qualquer providência que venha beneficiar o mundo.
Religião, como sublimação do sentimento, é para tornar melhor o ser humano, integrando-o no seu Criador, pelo exercício da fraternidade e da justiça entre as Suas criaturas. Com apurado senso de oportunidade, preconiza o Profeta Muhammad, no Alcorão Sagrado, no versículo 46, da 29a Surata, “Al ‘Ancabout” (A Aranha): “(...) Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a Ele nos submetemos”.
Deus, Sabedoria e Entendimento
O Pai Celestial é fonte inesgotável de sabedoria e entendimento, quando não analisado sob forma estereotipada ou caricaturada. Vêm-me à lembrança estas palavras de Santa Teresa de Ávila (1515-1582): “Procuremos sempre olhar as virtudes e as coisas boas que virmos nos outros e tapar-lhes os defeitos com os nossos grandes pecados”.
Tudo evolui. Ontem se afirmava que a Terra seria o centro do Universo. Por que então as crenças teriam de parar no tempo? Pelo contrário, religião, quando sinônimo de misericórdia, tem de iluminar harmoniosamente os demais extratos do pensamento. Bem a propósito, esta meditação do nada menos que cético Voltaire (1694-1778): “A tolerância é tão necessária na política como na religião. Só o orgulho é intolerante”.
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