Ciência e Fé na trilha do equilíbrio (final)

Fonte: Revista Ciência e Fé na trilha do equilíbrio, de 2000. | Atualizado em outubro de 2019.

Obra-prima e seu arquiteto

Em seu livro Nas fronteiras do Além, o eminente professor Hermínio C. Miranda (1920-2013) transcreve esta importante reflexão do físico francês Jean E. Charon (1920-1998): “O Espírito não poderá, jamais, ser explicado como uma secreção da matéria, por mais complexa que ela seja. Atrás de cada obra-prima é preciso haver um arquiteto”.

E o famoso físico brasileiro César Lattes (1924-2005), descobridor do méson π (pi) arremata: “A Ciência deve tomar muito cuidado quando afirma que muitas coisas não existem (...)”.

Das ruas às universidades

Como escrevi no livro As Profecias sem Mistério*1, no capítulo “A Vinha e o Ceticismo”, negar, a priori, a essência do que intimamente se procura torna difícil ao pensamento científico o privilégio de beneficiar-se com a descoberta do que instintivamente busca: o Espírito.

Renovar-se espiritualmente é um anseio flagrante dos povos, que se patenteia desde as ruas às bancas universitárias.

Genoma, Ética e Fraternidade

Por oportuno, trago-lhes trecho do artigo “Genoma, Ética e Fraternidade”, que publiquei na revista Manchete, de 8 de julho de 2000:

A qualquer momento, a palavra impossível poderá pedir aposentadoria e retirar-se do vocabulário. Pelo menos do científico. A cada dia que passa, as notícias vão pasmando o mundo com o sucesso obtido pelo laboratório. Está ocorrendo uma verdadeira revolução na Medicina. Cumpre que beneficie a todos.

O genoma humano mapeado e sua sequência descoberta pela primeira vez na História descortina horizontes extraordinários, ao mesmo tempo que origina uma série de questões éticas que aguardam solução urgente. Por isso, em boa hora ecoa a manifestação do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair: “Devemos garantir que essa poderosa informação não venha a ser usada para que o homem se torne seu próprio criador ou invada a privacidade alheia”.

Realmente, precisamos saber para onde estamos indo...

Razão e Sentimento

A ganância não pode sobrepor-se à Razão e ao Sentimento. Do contrário, assistiremos, contristados, sob justificativas mil, ao surgimento de uma civilização de horrores maiores do que já presenciamos em milênios de caminhada.

Apenas dois por cento!...

Não sou pessimista. Entretanto, diante do fato de que apenas dois por cento dos recursos financeiros mundiais são utilizados no aperfeiçoamento social das multidões, uma preocupação assoma à mente e leva a concluir o óbvio, o qual, por isso mesmo, deve ser repetido: nunca, como agora, se torna tão necessária a prática de tudo o que se resume na expressão Fraternidade.

A tecnologia supera as barreiras. A internet é um exemplo. Mas quando veremos a Solidariedade desenvolver-se à sua frente, de forma a iluminar os seus caminhos?

Harmonia entre Razão e Fé

É hora de recordarmos o rabino Moisés ben Maimón, também conhecido como Maimônides (1135-1204), que é anterior a Galileu Galilei (1564-1642) e tanto influenciou as culturas judaica, árabe e cristã.

No século 12, o ilustre talmudista, que cresceu entre os árabes, propunha a harmonia entre a Razão e a Fé.

Ora, quando entendidas como o exercício da Verdade e o enaltecimento da Paz, elas inspiram a Ciência como promotora do ser humano à conquista da liberdade supina. O conhecimento não pode escravizar as Almas. O medo nasce da ignorância. Motivo por que quem abre escolas e espiritualiza o aprendizado fecha cadeias. A instrução do intelecto não é suficiente para formar o verdadeiro cidadão do terceiro milênio, que tem... mil anos para desenvolver uma Era Espiritual Civilizada nova. Ao cérebro deve-se juntar o coração.

Com certeza, o autor de O Guia dos Perplexos, conhecido como “o Aristóteles da Idade Média”, ficaria espantado com o avanço notável da técnica e, porque foi vítima de perseguições, aflito também com a restrita expansão da Concórdia (apesar do transcurso dos séculos). Mas (com sua notável inteligência) alcançaria o porquê de um “progresso” que insiste em beneficiar aristocracias do dinheiro e sufocar populações inteiras desalentadas pela miséria.

Na certa exclamaria: — Eis a programação para um suicídio planetário!

Reconheceria a ausência de Amor na política mundial, que precisa ser professada como um sacerdócio de Solidariedade.

Todo espetacular êxito científico não pode prescindir do bom senso moral*2.

Os povos expressam sua gratidão ao Templo da Boa Vontade, um polo mundial de expansão da Solidariedade Ecumênica.

O Capital de Deus

O ser humano (e seu Espírito Eterno) deve ser respeitado como o Capital de Deus, embora o mercado não tenha aprendido ainda a assimilar outra linguagem. No entanto, a Economia será forçada a desdobrar outra vivência, justa e benéfica, como fracamente já o vem percebendo, se quiser subsistir.

(...) Esta época, de tanta rapidez nos feitos materiais e lenta nos espirituais, demonstra a atualidade desta quadrinha de Alziro Zarur: “Hoje, a vida é uma corrida. / Todos correm, tudo corre, / Todos morrem, tudo morre... / Eu não sinto mais a vida”, a mensagem é completada pelos últimos versos do seu soneto Os corações de pedra: O Teu poder, ó Deus, tudo abate e esboroa: / Para que escutem, pois, a Tua voz que soa, / Dá sensibilidade aos pétreos corações!

E assim termina o artigo.

Um bem incomensurável

“Ó Deus (...) Dá sensibilidade aos pétreos corações!”

Essa reflexão poética do saudoso fundador da LBV, Alziro Zarur (1914-1979) vem ao encontro deste ensinamento do Profeta Muhammad (570-632) — “Que a Paz e as Bênçãos de Deus estejam sobre ele!”  (570-632): “Deus concede a Sabedoria a quem lhe apraz. E quem recebe a Sabedoria recebe um bem incomensurável. Mas só o percebem os homens de bom entendimento”.

Unamos nossos esforços

Neste I Fórum Mundial Espírito e Ciência, convocado pelo Amor à Verdade e pela Verdade do Amor, todos os seus participantes, que por natureza são idealistas, comparecem para dar o melhor de si, como uma saudação antecipada ao terceiro milênio que, apesar de todos os pesares, confiante nos bate à porta.

Com autêntica Solidariedade, unamos os nossos esforços, porque Ecumenismo resulta nisso, antes que, tão inumeráveis sejam os caídos, que ninguém mais se sustente de pé.

O ilustre ministro e poeta Olavo Drummond*3 mostrou compreender ser premente essa providência, quando definiu, ao estudar o trabalho cinquentenário da Legião da Boa Vontade: “Precisamos fazer o que vocês realizam na LBV: a globalização do Amor, pois essa é a mais importante das globalizações”.

A integração dos mercados em sua essência vem trazer avanço tecnológico para saúde, educação, economia, política, administração, recordando-nos a chegada da Revolução Industrial I e II, iniciada há 200 anos. E há mais, as anteriores eras das caravelas, com Portugal, Espanha; do Império Romano etc. A atual mundialização é a maior de todas, poderíamos dizer que sem precedentes. Por outro lado, se a globalização econômica forçou fronteiras, invadindo nações e nações — favorecendo, pelo menos até agora, apenas uma minoria —, da mesma forma, na medida em que promove e mantém a miséria pelas maiores extensões do mundo, os países por ela fortemente beneficiados não resistirão eternamente à invasão, que tanto temem, de bactérias, fungos e vírus a promover doenças e epidemias mil que lhes poderão seriamente atingir, a despeito de todos os cuidados. Por isso, existe, da parte das nações mais influentes, alguns arremedos de medidas que contemplariam as menos estruturadas. Contudo, são providências ainda embrionárias, afastadas do espírito de Solidariedade verdadeiro.

Ademais, há o que pode estar ocorrendo em laboratórios, e ninguém imagina o que realmente seja. Delírio?! Então, por que as ações enérgicas empreendidas recentemente pelo Japão? Vejamos o que divulgou a Agência de Notícias Reuters: “O gabinete japonês aprovou uma lei que proíbe a clonagem humana. O procedimento é proibido até mesmo no âmbito da pesquisa, determinando pena de mais de cinco anos de prisão aos que a ela desobedecerem. A legislação agora deve ser votada pelo Parlamento e, se passar, será a primeira lei japonesa que prevê uma sanção para as pesquisas científicas”.

Isso sem falar nas trágicas consequências que andam derrotando o ecossistema.

Para onde iremos?

O efeito estufa, antes tantas vezes negado por certos cientistas e governos, já se instalou em nossas vidas, que vão perdendo qualidade em aceleração crescente.

Andrew C. Revkin, do The New York Times, na Folha de S.Paulo, de 11/10/2000, afirma, a respeito do problema da camada de ozônio: “O buraco que se abre na camada de ozônio sobre a Antártida a cada primavera, no Hemisfério Sul, formou-se mais cedo este ano e está crescendo mais. É o maior desde que satélites começaram a monitorar a atmosfera polar”.

Se perdermos a Terra, onde iremos residir, ó ambiciosos e loucos de todos os quadrantes?!

A Terra suplica

Diante do quadro mundial, que convoca a providência de todos na busca coletiva de soluções, saúdo os ilustres participantes deste Fórum com os melhores votos de realização plena pelo que já têm feito e muito ainda farão em prol da humanidade: Espírito e Ciência devem estar irmanados pela Fraternidade Ecumênica, porque a Terra suplica que vençamos os conflitos, juntemos as mãos e trabalhemos por um mundo realmente melhor, enquanto resta tempo. O aquecimento global, agravado por nós, seres humanos, continua de maneira “impecável” cumprindo a sua triste sina*4.

Há décadas, alerto que a destruição da Natureza é a extinção da raça humana. Daí ser o nosso brado: Educar. Preservar. Sobreviver. Humanamente também somos Natureza*5.

Abandonemos as idiossincrasias e os ódios no passado e olhemos confiantes para o futuro, contribuindo com o nosso trabalho eficiente, de modo a não apenas desejarmos a Paz, como também, com decisão imbatível, a construirmos tijolo a tijolo. Pois corremos verdadeiro perigo, porquanto atualmente o mundo anda muito longe da Paz.

Entretanto, como dizia o Buda (556-486 a.C.): “Você não pode percorrer o caminho sem antes se transformar no caminho”.

Isto é, se inimagináveis mudanças de ordem econômica, social e política sacodem as nações, ameaçando-as a todo o momento de destruição antes inconcebível, urgente se faz que o Espírito humano, até mesmo por questão iminente de sobrevivência, não apenas pregue a Paz, mas se transmude nela própria.

Paz para o Espírito e a Ciência!

Muitas vezes do passado o que resta tem sido ódio. Devemos, pois, olhar para o futuro, trabalhando pela fecundação da Paz em todos os setores da criação humano-espiritual.

Regra de ouro

Se quisermos alcançar os objetivos constantes deste Fórum, como sem dúvida o queremos, convém observarmos este ensinamento do sábio chinês Confúcio (551-479 a.C.): “De tudo que o céu produziu e a Terra nutriu, o mais importante é o ser humano. A Razão Celestial está contida em nossa natureza”.

O Amor vem do Espírito

Audrey Hepburn (1929-1992), atriz, nascida na Bélgica, consagrou-se mundialmente no cinema americano. Dedicada mãe de dois filhos, demonstrou seu amor pelas crianças do mundo, tornando-se embaixadora do Unicef. Em seu último natal na Terra, deixou um poema que expressa sua filosofia de vida e a experiência de seu bondoso coração, que pode servir para todos como modelo:

Para ter lábios atraentes,

Fale palavras gentis.

Para ter olhos amáveis,

Veja o Bem nas pessoas.

Para ter o corpo esbelto,

Compartilhe sua comida com os famintos.

Para ter cabelos bonitos,

Deixe uma criança acariciá-los

[uma vez por dia.

Para ter equilíbrio,

Ande com o conhecimento e nunca

[estará só.

Deixemos uma tradição com futuro,

O cuidado pelos seres humanos nunca

Será algo obsoleto.

Pessoas, mais do que coisas, precisam ser

[recuperadas,

Renovadas, reanimadas, redimidas,

Redimidas e Redimidas.

Lembre-se, se precisar de uma mão amiga,

Achará uma no final do seu braço.

Ao amadurecer, você descobre

Que tem duas mãos:

Uma para ajudar a si próprio e outra

Para ajudar o próximo.

Seus dias de fartura estão à sua frente.

Que você tenha muitos deles.

João, Deus e Irmãos

Bem a propósito, esta consideração de João Evangelista, na sua Primeira Epístola, 4:20, Novo Testamento da Bíblia Sagrada: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”.

A Sublime Equação

Deus seria, poetizando, uma Sublime Equação cujo resultado é o Amor. E este é o sentimento que desejamos ilumine todos os atos e fatos que venham a ocorrer durante o I Fórum Mundial Espírito e Ciência, porquanto, como meditava o genial Einstein (1879-1955): “(...) No pensamento científico existe sempre um elemento poético. A compreensão de uma ciência, assim como apreciar uma boa música, requer em certa medida processos mentais idênticos”.

Paz para o milênio

Na mensagem “O dinamismo da Paz” que dediquei aos participantes da I Conferência de Cúpula da Paz Mundial para o Milênio, realizada na Assembleia-Geral das Nações Unidas — ONU, em agosto de 2000, proferi estas palavras que dedico aos participantes do I Fórum Mundial Espírito e Ciência, que ocorre no Parlamento Mundial da Fraternidade Ecumênica da Legião da Boa Vontade:

Convidar todos ao ingresso sem tardança na Sublime Escola do Amor Fraternal, para flagrantemente vivê-lo, é, em resumo, a tarefa empreendida pelos fundadores das crenças. Executá-la em harmonia é finalmente trilhar o caminho que leva à Paz.

Todo documento derradeiro assinado neste Encontro internacional seria um engodo lançado à face do mundo se não sairmos daqui convencidos de que somos legitimamente humanidade, um poema de compaixão, como queria o Buda.

Ao término da Conferência de Cúpula da Paz Mundial para o Milênio, que tem a Organização das Nações Unidas (ONU), como anfitriã, atravessemos os seus portais definitivamente como Irmãos. Irmãos e Irmãs aqui, Irmãos e Irmãs lá fora, Irmãos e Irmãs a milhares de quilômetros de distância. Só assim seremos capazes de satisfatoriamente concretizar o que, neste evento, ajustarmos.

A proposição competente

A mais competente proposição a ser levantada nestes plenários brilha no íntimo de todos: amarmo-nos uns aos outros até mesmo antes dos demais a quem pretendemos levar uma mensagem de renovação. O exemplo deve partir de nós.

Sejam todos bem-vindos.

Minha mais profunda homenagem,

José de Paiva Netto

Presidente do Conselho do Parlamento Mundial da Fraternidade Ecumênica

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*1 As Profecias sem Mistério, 84a edição, capítulo “A Vinha e o Ceticismo”, de autoria de Paiva Netto.

*2 Daí o Cristo ter advertido no Evangelho, segundo Mateus, 5:43 a 48: Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai Celeste, porque Ele faz nascer o Seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? E se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai Celeste.

*3 (1925-2006)

*4 Nota de Paiva Netto

Vide p. 66 do livro Jesus e a Cidadania do Espírito, na qual apresento reflexão acerca do assunto e registro a palavra do dr. James Hansen sobre mudanças climáticas. Ele é um dos grandes especialistas do tema no mundo.

*5 Essa máxima do autor encerra sua mensagem endereçada à Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (CNUDS), a Rio+20, ocorrida entre os dias 13 e 22 de junho de 2012, no Rio de Janeiro/RJ, Brasil.

José de Paiva Netto, escritor, jornalista, radialista, compositor e poeta. É presidente da Legião da Boa Vontade (LBV). Membro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Associação Brasileira de Imprensa Internacional (ABI-Inter), é filiado à Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), à International Federation of Journalists (IFJ), ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro, ao Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro e à União Brasileira de Compositores (UBC). Integra também a Academia de Letras do Brasil Central. É autor de referência internacional na defesa dos direitos humanos e na conceituação da causa da Cidadania e da Espiritualidade Ecumênicas, que, segundo ele, constituem “o berço dos mais generosos valores que nascem da Alma, a morada das emoções e do raciocínio iluminado pela intuição, a ambiência que abrange tudo o que transcende ao campo comum da matéria e provém da sensibilidade humana sublimada, a exemplo da Verdade, da Justiça, da Misericórdia, da Ética, da Honestidade, da Generosidade, do Amor Fraterno. Em suma, a constante matemática que harmoniza a equação da existência espiritual, moral, mental e humana. Ora, sem esse saber de que existimos em dois planos, portanto não unicamente no físico, fica difícil alcançarmos a Sociedade realmente Solidária Altruística Ecumênica, porque continuaremos a ignorar que o conhecimento da Espiritualidade Superior eleva o caráter das criaturas e, por conseguinte, o direciona à construção da Cidadania Planetária”.